ALÉM-VISTA
O que não se enxerga nem sempre é o que não se vê. A experiência de estar dentro e poder ver o fora proporcionada pela arquitetura de grandes vidros da Casa Gabriel se transformou na premissa da curadoria da exposição, que tomou os aspectos da visão como ponto de partida. Muito antes de entregar uma narrativa, Além- vista é um convite ao exercício do olhar para além dele mesmo, quem se propõe participar, busca nos espaços não definidos aquilo que só se pode ver sem os olhos.
Começando com o espaço externo, a instalação na fachada abre a exposição que se desdobra em pinturas, esculturas, fotografias e objetos. A seleção de artistas com diferentes trajetórias e linguagens nasce de uma articulação fluida de temas com o objetivo de criar ruídos e intersecções entre as obras.
Entre muitos caminhos traçados, é possível distinguir três grandes trajetos através de relações de proximidade - desejo, negação e fragmentação.
Desejo representa um conjunto de trabalhos onde vontade e atração são interrompidos pela distância, imaterialidade ou efemeridade. Esse sutil impasse pode ser observado na luz da armadilha que atrai e afasta na instalação de Vicente Brasileiro, nos universos inalcançáveis de Manoel Veiga, na efemeridade do instante eternizado nas fotografias de Luana Lorena, nas presenças etéreas de Patrícia Baik, Brisa Noronha e Nicholas Steinmetz ou no ciclo de movimento fugaz de Lui Beraldo.
Negação, em contrapartida, inverte a ordem do desejo e tem como princípio o que está escancarado mas não se quer ou não se pode ver. Apagamentos e silenciamentos das histórias da população negra e nordestina retratados por Tiago Sant’ana e Juraci Dórea, memórias guardadas em novelo pontiagudo de Amorí, resquícios de uma educação sistematicamente sucateada de Andréa Hygino, ou as barreiras colocadas na visão de Ícaro Lira dizem um pouco sobre essa ruptura.
Já fragmentação tem as lacunas a serem preenchidas pelo impalpável, como os deslocamentos de cheios e vazios colocados por Vicente Brasileiro, os escritos sem palavras e paisagens transparentes de Rebecca Carapiá, os encaixes de Marcelo Silveira e os seres animalescos incompletos e desconfigurados de Monica Coster.
Enquanto exercício, como se propõe, tais caminhos não são lineares e apontam cruzamentos entre si, outros ainda podem ser percorridos, desde que criem contatos para além da visão.